Entrevista com a Dra. Camila Magalhães Silveira - Consumo de Álcool pelas Mulheres  

terça-feira, 9 de abril de 2013

Entrevista com a Dra. Camila Magalhães Silveira, psiquiatra e coordenadora do CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool.


Até os anos 50 poucas mulheres eram vistas consumindo álcool, além do tradicional brinde em datas festivas. Hoje o panorama parece ter mudado. Há estatísticas medindo o consumo de álcool em mulheres?

As diferenças de gênero para padrões de consumo do álcool têm sido cada vez mais exploradas no Brasil. Por exemplo, um estudo divulgado recentemente na revista Clinics verificou que o uso de álcool na vida foi de 91,3% para homens e 67,6% para as mulheres e o beber pesado episódico (BPE, padrão de consumo de 5 ou mais doses para homens e 4 ou mais doses para mulheres. em uma mesma ocasião) nos últimos 12 meses, entre todos os indivíduos avaliados, foi de 15,4% para os homens e 7,2% para as mulheres. Outro exemplo é um estudo que faz parte do Projeto Genacis (Gender, Alcohol, and Culture: an International Study), o qual mostrou que 14% dos homens e 8,8% das mulheres relataram BPE, ao menos uma vez no último mês.
Além disso, o I Levantamento sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre os Universitários Brasileiros, divulgado em 2010, apontou que 83,1% das mulheres já fez uso de álcool na vida e 20,3% apresentou ao menos um episódio de BPE no mês que antecedeu a pesquisa.

A que se atribui o fato das mulheres estarem bebendo mais do que outrora?

A mulher vem se igualando socioeconomicamente ao homem, havendo também uma aproximação do papel social entre os gêneros. Outros fatores contribuintes são situações que não existiam antes, como conviver com homens bebedores, no ambiente de trabalho. Há também maior aceitação social do uso de álcool pela mulher.
Ademais, não se pode descartar que o organismo da mulher é biologicamente mais suscetível aos efeitos do álcool do que o dos homens, o que faz com que ela apresente maior risco de desenvolver transtornos relacionados ao uso de álcool (abuso ou dependência) comparado aos homens com mesmo padrão de consumo.

Existe um padrão de consumo? Um tipo de bebida preferida?

De acordo com o I Levantamento Nacional sobre os padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, a cerveja e o vinho são as bebidas preferencialmente consumidas entre as mulheres (58% e 34%, respectivamente), seguido dos destilados (6%) e, por último, as bebidas tipo “ice” (2%). Quando consomem bebidas alcoólicas (de qualquer tipo), 63% das mulheres usualmente bebem até duas doses, 19% consomem de 3 a 4 doses, 14% bebem de 5 a 11 doses e 3% bebem 12 ou mais doses. Em relação à frequência de uso de álcool:
• 59% são abstêmias (consumo em pelo menos 1 vez por ano ou nunca bebeu)
• 16% faz uso ocasional (consomem de 1 a 3 vezes no mês)
• 12% consome raramente (consumo em menos de 1 vez no mês)
• 11% faz uso frequente (consumo de 1 a 4 vezes na semana)
• 2% faz uso muito frequente (consumo diário).

Pode-se considerar dependente de álcool a mulher que bebe?

Independente do gênero, a dependência do álcool é definida pela 4ª edição do Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, DSM-IV), da Associação Americana de Psiquiatria, como a repetição de problemas decorrentes do uso do álcool, que levam a prejuízos ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por pelo menos três dos critérios expostos na tabela abaixo, ocorrendo a qualquer momento no período de 12 meses.

Qual o risco da ingestão de álcool e as complicações em médio prazo?

Os efeitos do álcool sobre a saúde dependem do histórico médico e riscos individuais. O uso do álcool e transtornos relacionados (abuso e dependência), além de levarem a diversas consequências sociais negativas (violência, desemprego, absenteísmo, entre outras), estão associados a cerca de 60 tipos de doenças e lesões, que podem ser separados em três categorias:
• condições de saúde totalmente atribuíveis ao uso de álcool (relação de causalidade direta, como psicoses alcoólicas, abuso e dependência de álcool, síndrome alcoólica fetal, cirrose hepática, entre outras);
• condições crônicas em que o álcool é fator contribuinte (como câncer de boca, de orofaringe e de mama, aborto espontâneo);
• condições agudas em que o álcool é fator contribuinte (como acidentes automobilísticos, quedas, envenenamento, afogamentos, homicídios, suicídios).

Qual tratamento sugerido quando a mulher voluntariamente procura ajuda? E quando não?

Primeiramente, é importante ressaltar que as pessoas devem buscar ajuda com profissionais da saúde quando ocorrem situações nas quais o álcool possa influenciar negativamente a rotina, funções acadêmicas e/ou profissionais e as relações pessoais. O envolvimento dos familiares e amigos é indicado por fortalecer e ampliar os benefícios do tratamento, pois exercem um importante papel no reconhecimento dos problemas decorrentes do uso – em especial, eles podem motivá-lo a iniciar e/ou permanecer em tratamento.
Os principais tipos de tratamento disponíveis para dependência do álcool são: médico; psicológico; grupos de autoajuda (por exemplo, Alcoólicos Anônimos – AA); e comunidades terapêuticas. Nota-se, ainda, que alguns pacientes se beneficiam mais de um determinado modelo de tratamento do que outros.
Com relação ao tratamento medicamentoso, ele pode ser útil para diminuir a vontade de beber em indivíduos que desejam se tratar e que estão inseridos no modelo mais adequado de tratamento. No entanto, este tratamento deve contar com avaliação médica para verificar a necessidade de prescrição de um medicamento. De qualquer maneira, o paciente, quando diagnosticado, deve contar com acompanhamento médico para assegurar o sucesso do tratamento, que varia de acordo com a progressão e gravidade da doença.
No Brasil, os mais conhecidos tratamentos gratuitos especializados em dependência química são os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad). Existem ainda outros tipos de instituições que prestam atendimentos especializados no assunto e que também são gratuitos, como os ambulatórios localizados em hospitais. Além disso, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) também disponibiliza uma central telefônica, gratuita e aberta à população de todo o país, com orientações e informações sobre álcool e outras drogas (VIVA VOZ – 0800 510 0015).
Fonte:Laranjeira R, Pinsky I, Zaleski M, Caetano R. I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD). Brasília, 2007.
American Psychiatric Association – APA. Diagnostic and statistical manual of mental disorders (DSM-IV). 4.ed. Washington: American Psychiatric Association, 1994.
Andrade AG, Duarte PCAV, Oliveira LG. I Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras, 2010. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Kerr-Correa F et al. Differences in drinking patterns between men and women in Brazil. Geneva: World Health Organization. Department of Mental Health and Substance Abuse; 2005.
Silveira CM, Siu ER, Wang YP, Viana MC, Andrade AG, Andrade L. Gender differences in drinking patterns and alcohol-related problems in a community sample in São Paulo, Brazil. Clinics (Sao Paulo). 2012 March; 67(3): 205-212

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